Um certo dia perguntaram a Maradona por que tinha tatuado Che Guevara no braço. E ele respondeu que «já era tempo de os dois maiores argentinos de sempre estarem no mesmo corpo». A história serve para ilustrar a maneira como futebol e política andam sempre ligados na Argentina, uma tese que o antropólogo Eduardo Archetti apresentou neste sábado no último dia do Seminário «Futebol, Ciências Sociais e Imagem».
Confessou Archetti que até gostava de ser brasileiro ¿ e a afirmação tem o seu peso tendo em conta a rivalidade entre os dois países ¿ porque os vizinhos se limitam a gozar o prazer da vitória. Na Argentina, a história é bem diferente. E por isso mesmo ficou ensombrada a vitória argentina no Mundial de 1978¿ até hoje.
Foi o primeiro triunfo da Argentina nos Mundiais. A equipa jogava em casa, quando «casa» significava um país às mãos da ditadura militar, das torturas, desaparecimentos e mortes que marcaram o período. E a verdade é que os argentinos nunca perdoaram.
Conta Archetti que, na altura, se festejou ruidosamente nas ruas de Buenos Aires a vitória da equipa de César Menotti, que um Carnaval tomou conta das praças, que os prisioneiros gritaram também «Ganamos», mas, depois disso, veio o «sentimento de culpa». Porque ainda hoje na Argentina se pergunta «se era legítimo sair à rua para festejar».
O Mundial de 1978 ficou marcado por essa dualidade futebol/morte, alegria/dor. Menotti, que pediu autorização ao partido comunista para treinar a selecção, faz questão de dizer que a sua equipa «jogou para o povo». A junta militar quis fazer do triunfo da época um símbolo da «nova nação».
No ano passado, os ex-jogadores de Menotti juntaram-se para fazer um festejo à séria, já em tempos de democracia, mas foram poucos os que lhe fizeram companhia. Disseram uns que os argentinos não têm memória, outros que têm memória a mais. O certo é que a política está sempre lá.