Na Amadora vive(u) um dos mais históricos emblemas em solo nacional. Numa cidade onde o futebol é condição sine qua non, o regresso do Estrela à ribalta foi imposto pelo tempo, residindo a dúvida no quando. Em 2020, ano tragicamente marcado por questões sanitárias, as boas notícias são ainda mais bem recebidas. E o que é o regresso de um dos maiores de Lisboa, se não uma lufada de ar fresco neste ano infernal?

O Maisfutebol faz a revista do passado de sucesso da equipa da Amadora, pela voz do treinador João Alves, e o que esperar do futuro do clube. André Geraldes e Francisco Lopo, presidente e administrador da SAD, respetivamente, falam-nos da aquisição, do projeto, e da ambição de voltar a ver a equipa a pisar grandes palcos.

Corriam os anos 90, e o Estrela ganhava o seu espaço no futebol português. 16 presenças na primeira liga (entre 1988 a 2009), uma presença na Taça Intertoto [competição extinta que abria vagas para a Taça UEFA/Liga Europa ao seu vencedor], e uma vitória na Taça de Portugal, sob alçada do experimentado treinador João Alves.

Das três vezes que passou no clube, o técnico, agora com 67 anos, conseguiu promover a equipa por duas vezes ao máximo escalão. Numa dessas épocas [1992/1993], juntou um título da II Liga ao troféu da Taça conquistado três anos antes, na finalíssima frente ao Farense.

«Ganhar a Taça de Portugal num clube como o Estrela não é muito normal. Acontece uma vez de 20 em 20 anos. Esse título foi conquistado com sangue suor e lágrimas. Aquilo mudou o paradigma da equipa. Trouxe adeptos ao Estrela, que deixou de ser o segundo clube para muita gente e começou a ser o clube com adeptos próprios e com uma mística especial», diz o técnico, sobre aquele que diz ter sido o seu troféu mais importante na equipa amadorense.

VÍDEO: o Estrela da Amadora no Jamor contra o Farense

Após empate a uma bola [com os dois golos a serem apontados já no prolongamento], lisboetas e algarvios voltaram a encontrar-se para o que seria a finalíssima da taça. Aí, o Estrela da Amadora venceu por 2-0.

«No jogo da finalíssima, o Farense não teve situações de golo. No primeiro jogo fomos superiores, mas tivemos uma réplica muito forte da parte do Farense, que se bateu muito galhardamente, e mereceu levar o jogo à finalíssima. Nesse jogo fomos muito superiores e justíssimos vencedores», recorda João Alves.

VÍDEO: a finalíssima entre o Estrela e o Farense

Sobre a época em que João Alves liderava o sucesso da equipa, André Geraldes diz ter algumas memórias.

«O meu pai foi jogador do Estrela da Amadora até aos juniores. Lembro-me da Taça de Portugal, apesar de ser muito novo, que curiosamente foi ganha ao Farense, onde estive… Coincidências… Mas mais tarde lembro-me de ir muitas vezes à Reboleira ver os jogos com os grandes, sempre um estádio muito difícil, com adeptos muito aguerridos e onde era muito complicado de jogar.»

Já Francisco Lopo, o filho de Paulo Lopo - presidente da Leixões SAD - diz ser muito novo para se recordar de momentos específicos, a não ser alguns jogos em que ficava admirado «com a quantidade de gente». «Era muito novo e lembro-me de ver aquelas pessoas todas a participarem na vida do clube.»

Na ótica dos três entrevistados, é esse apoio dos adeptos que torna o clube no terceiro maior de Lisboa, apenas atrás dos afamados Sporting e Benfica.

«Objetivo? Equipa competitiva e fazer regressar o Estrela à primeira divisão»

Enterrado o passado, o clube - que chegou a ter 20 mil sócios -, teve de fechar portas, a contas com problemas financeiros irresolúveis. Era o cair a pique de uma instituição que estava já enraizada no seio do futebol profissional.

O C.D. Estrela substituiu-o, sem grande sucesso no plano desportivo. A equipa milita na terceira divisão da AFL (última divisão distrital de Lisboa) e, pelo andar do projeto, não se previam melhorias substanciais.

Passados mais de nove anos, alguém se lembrou de reerguer o emblema tricolor, de devolver o clube ao futebol profissional, de devolvê-lo aos adeptos.

«A aquisição do Estrela começa com uma conversa informal com um amigo que sugere a reabilitação do clube. Disse-lhe imediatamente que era uma loucura absoluta porque o Estrela está na terceira divisão da Associação de Futebol de Lisboa e não nos poderíamos sujeitar a esse tipo de projetos, pela quantidade de anos que íamos precisar para executá-lo», declarou André Geraldes, acrescentando que a entrada do Sintra Footbal em cena fê-lo reconsiderar a sua posição.

«O Sintra mostrou-se disponível em perder muito do que é o seu legado, construído nos últimos 12 anos, e em ceder a sua posição numa liga quase profissional, que vai ser ocupada pelo Estrela. Ao haver esta possibilidade, o cenário mudou um bocadinho.»

Para o representante maior do investimento feito no clube, Francisco Lopo, o investimento no clube foi a sua maneira de retribuir uma infância passada na cidade.

«Apesar de ter ouvido falar muito do clube, sei que os meus filhos não iriam ter essa oportunidade. Pude fazer algo em relação a isso e aproveitei. O objetivo é criar uma equipa competitiva e fazer regressar o Estrela à primeira divisão», disse, sem colocar um prazo para que isso aconteça.

«O Sintra acaba por ser o parceiro perfeito. Com uma estrutura de Campeonato Nacional, faltava-lhe o pequeno passo no sentido da profissionalização», reforça André Geraldes, que antes trabalhou no Sporting «mais competitivo dos últimos 40 anos» como team manager e depois no Farense em funções semelhantes às que vai desempenhar no clube da Amadora. Em Faro, o dirigente conseguiu a promoção à Primeira Liga após dois anos.

«A curto prazo queremos ser os favoritos todos os domingos»

Depois da subida também histórica com o Sp. Farense, o agora CEO do clube explica ter optado pela realidade do CPP.

«A minha saída do Farense é fácil de explicar. Tenho excelente relação com o presidente, mas houve ideias que não casaram e nos projetos onde estou preciso de autonomia de gestão operacional e desportiva. Cumpri o objetivo a que me propus e procurei alternativas. Tive várias ofertas em mão, mas cedi ao desafio do Francisco e dos seus representantes. Em termos de divisão é um passo atrás, mas vejo isto como uma perspetiva de crescimento.»

Para si, o projeto só faz sentido com o Estrela e com a força motriz dos adeptos que anseiam o seu regresso. Presidente da SAD com participação na mesma, André foi escolhido a dedo por Francisco Lopo.

«Escolhi-o porque gosto da carreira dele. Vou supervisionar o trabalho de toda a estrutura e colar-me a ele, na tentativa de tornarmos o Estrela um melhor clube do que aquele que já foi», assume o jovem dirigente, que abraça o seu primeiro projeto como administrador de uma SAD.

Quanto ao futuro, os objetivos estão traçados. A ideia passa por colocar o Estrela na primeira divisão, mesmo que isso leve alguns anos. O importante é a «sustentabilidade do projeto», diz-nos o ex-team manager do Sporting.

«A curto prazo é importante perceber que estamos a construir um projeto do zero. É preciso fazer muita coisa para fazer um projeto profissional. O objetivo desportivo passa por ser favorito todos os domingos, a cada jogo. O resultado final, logo vemos. Não há um plano concreto, há a sustentabilidade do projeto. Queremos chegar lá o mais rápido possível, mas isso é feito de domingo a domingo.»

Um relvado semi-híbrido «semelhante ao do Estádio da Luz»

João Alves, agora ligado ao Cova da Piedade, recordou com saudade o clube, mas deixou um apelo para o futuro: «Espero que a equipa venha a equiparar-se ao que foi nos anos 90.»

Como nenhum clube tem sucesso sem um projeto desportivo, o do Estrela está bem traçado. A primeira grande novidade é o ingresso de Rui Santos no comando técnico da equipa.

O treinador, que na primeira metade da época passada trabalhou com o Sintra Football, colocou a equipa no sexto lugar do CPP (prova em que vai também estar inserida para o ano), e conseguiu a heroica eliminação do V. Guimarães da Taça de Portugal, em jogo a contar para a terceira eliminatória.

Estranhamente, o treinador acabou por ser afastado após diferendo com os investidores do clube logo após a maior vitória de sempre e agora é recuperado por indicação de Dinis Delgado, presidente do Sintra Football até ao fim desta temporada.

O impacto do treinador percebe-se numa análise rápida à tabela classificativa. Após a sua saída, o clube abandonou o sexto posto e teve a descida em risco, bloqueada pela paragem das competições provocada pela crise pandémica.

Outra das novidades vai ser a remodelação das infraestruturas do clube, a começar pelo relvado, que vai ser «um dos melhores de Portugal». «Um semi-híbrido semelhante ao do Estádio da Luz», conta-nos o presidente da SAD do novo Estrela da Amadora.

Cabe a Francisco Lopo, André Geraldes, ao treinador Rui Santos e à restante estrutura devolver a grandeza ao clube dos arredores da capital. Com um legado histórico pesado, a direção vira-se para o futuro, para pôr o Estrela no sítio que merece, no sítio que os adeptos desejam.

Esperamos, mais cedo do que tarde, poder falar do sucesso deste clube no presente do indicativo, sem ter de recorrer ao passado para elevar a história, já tão rica, do Estrela da Amadora.

Quem não tinha saudades de um domingo à tarde na Reboleira?