O Mundial está prestes a terminar e os jogadores da Seleção há muito que estão de férias, mas há portugueses que continuam no Brasil. Chamam-se Pedro, Bertino e Tiago e podem ser os derradeiros representantes nacionais na final do Maracanã. Isso só acontece porque são competentes dentro e fora de campo, porque são considerados pelos seus pares, porque estão no grupo dos melhores do planeta.

O trio de árbitros, liderado por Pedro Proença, está no topo de uma carreira em que acertou 95% das suas decisões, mas quando passa em certas zonas do país pode até ser enxovalhado, recordado por um outro juízo menos positivo, por um erro que pode ter prejudicado esta ou aquela equipa. O problema é que os árbitros só parecem existir para serem os guardiões de todo o mal que sucede num campo de futebol.

Raramente é possível ver uma entrevista de um árbitro, praticamente é impossível saber como se preparam, de que forma testam as suas capacidades, como comunicam entre eles nas decisões mais difíceis, como convivem com o erro. Mas isso tem de mudar. Está a mudar.

O próprio Proença deu passos positivos nesse sentido, aceitando participar numa reportagem da SIC, e impressionou pelo grau de preparação, pela complexidade da função, pela humanização do árbitro. E essa humanização não pode passar apenas pela frase feita «o árbitro erra porque é humano», mas por tornar mais acessível o acesso a esse mundo restrito, quase secreto, dos juízes, que fazem parte de um espetáculo de milhões, mas que aparecem ali como corpos estranhos e poucos são os que os conhecem realmente.

Ser árbitro é, grosso modo, um ato altruísta - se descontarmos os que chegam a categorias superiores ou até à profissionalização, porque já são pagos dignamente pelas instituições federativas. Mas se perguntar a um árbitro o que é uma boa exibição a resposta é invariavelmente esta: «O que eu quero é ser invisível. Se no final do jogo não se falar da arbitragem é porque correu tudo bem». Na feira de vaidades que se tornou o futebol haverá mais alguém que só queira passar despercebido?

Tomando isto em consideração, há momentos em que estes homens têm e devem aparecer. Desde logo, será positivo que estejam disponíveis para mais reportagens sobre a sua função específica, para poderem explicar como se preparam, que rotinas existem, até que possam estar presentes nas redes sociais, como sucede com o argentino Nestor Pitana, um dos eleitos pela FIFA para estar no Mundial e que não escondeu o entusiasmo quando foi escolhido para apitar o Alemanha-França.


Não existe paralelo em Portugal, apesar de Duarte Gomes e Artur Soares Dias terem os seus perfis no Facebook, mas restringido a «amigos» e sem a abertura de espírito para transmitir mensagens positivas sobre a arbitragem. Há um caminho a percorrer e o que está a ser feito pelo projeto « Academia de Arbitragem», da FPF, é mais um sinal positivo da revolução de consciências.

Com 43 anos, Pedro Proença vive os seus últimos dias como árbitro e com certeza terá um papel importante nos próximos capítulos da arbitragem em Portugal (noutras funções), mas enquanto isso não sucede alimenta a esperança de vir a ser nomeado para a final do Campeonato do Mundo.

Entre os juízes que ainda estão no Brasil, o português é um dos mais fortes candidatos a apitar o Argentina-Alemanha, embora tenha de ombrear com o americano Mark Geiger, o autraliano Benjamin Williams ou o argelino Djamel Haimoudi. De fora deverão ficar os também muito categorizados Howard Webb (apitou a final de 2010), Nicola Rizzoli (já esteve em dois jogos da Argentina), Yuchi Nishimura (o japonês polémico do jogo de abertura), Ravshan Irmatov (já apitou quatro jogos, incluindo um dos quartos-final) e Sandro Meira Ricci (seria insólito um brasileiro apitar a Argentina na final).

O português fez três jogos neste Mundial (Japão-Colômbia, Camarões-Croácia e Holanda-México), sempre com avaliações positivas, apesar de ter sido criticado por Miguel Herrera por ter assinalado a grande penalidade que deu a vitória aos holandeses após alegada simulação de Robben. Certo é que não apitou nenhuma partida da Alemanha ou da Argentina e isso é uma vantagem. Depois de ter estado numa final do Campeonato da Europa e também numa da Liga dos Campeões, Proença pode receber a derradeira distinção com o prémio da final do Campeonato do Mundo, o que representaria também um enorme incentivo à arbitragem portuguesa.

Polémica à parte, o árbitro português deve servir de exemplo aos jovens que tentam seguir a mesma carreira. Competente, bom comunicador e arrojado em todas as componentes da arbitragem, para além de ser fluente em inglês, como fica demonstrado por este vídeo de apresentação da FIFA para o campeonato do mundo.



Este é mais um bom caso e que poderia ser replicado em Portugal, por exemplo nos árbitros designados para as finais e como complemento ao que já existe nos dias de hoje. O caminho é desafiante mas tem de ser percorrido. É bom que a arbitragem esteja consciente das mudanças que tem de operar, para que surjam mais Proenças no futuro, evitando que o erro seja a única palavra que se associa a um árbitro.

«Um domingo qualquer» é uma crónica de opinião quinzenal do jornalista Filipe Caetano