«O meu pub em Hammersmith». Enquanto se bebe uma pint, fala-se de desporto: futebol, basquetebol, ténis... O consumo é obrigatório. As bebidas nunca são por conta da casa. Também se pode falar da NFL, mas se alguma vez disser «soccer», Woody, o cozinheiro, tem cara de Vinnie Jones e andou na escola do Cantona. Ah, e é primo do Roy Keane.

No frio do inverno o negócio vai cada vez melhor. O mesmo não se pode dizer do futebol. Há dois anos, o clube «ali de baixo» comprou por uns 50 milhões de libras um avançado espanhol que pelo que marca e pela cor do cabelo podia ser uma qualquer namorada do Ken. Se o preço das «ales» baixasse tanto como os negócios do pontapé da bola estava tramado. Em dois anos, em janeiro, passámos de quase 60 milhões de € para uns meros 24. Pior que isso, a Guy Fawkes Night terá muito menos interesse depois de Balotelli ir embora. Mas não é só por isso que odiamos a Premier League.

Se o Superbowl dominou as conversas aqui no pub, é verdade que não há nada melhor do que uma querela futebolística. Na quinta-feira, o mercado fechou. Mas é como o Reino Unido olha para o último dia de transferências que nos faz odiar a Premier League.

Falamos muito do futebol inglês. Detestamo-lo na essência. É verdade.O dono desta bodega é português, mas há alguns anos que está habituado ao bom humor britânico.

O Guardian começou o dia de transferências a brincar. Previu que o Tottenham ia contratar alguém às 22h59 só porque no verão os papéis de Moutinho não terão chegado a tempo. Houve, por exemplo, quem brincasse com o facto de o QPR ter feito uma proposta por ALGUÉM, tal era a necessidade de reforços. Não era o John, não era um Joe. Era mesmo preciso que fosse ALGUÉM. Eu, tu, você. Na BBC, quem estava a informar, disse que ia ao bar fazer uma proposta por uma sandes de atum.

Os adeptos também brincam. Até os jogadores. Que disse Joey Barton quando Beckham se mudou para o PSG? «É bom que ele saiba que vai ser o segundo inglês mais bonito da Ligue 1.» Em Portugal, quantos jogadores ousariam tal declaração em público?

Em Portugal, aliás, se alguém escrevesse no último dia de mercado que o FC Porto ia chamar Rui Patrício à equipa principal - é uma das piadas que anda aí na internet, sobre os negócios entre portistas e sportinguistas - estava o caldo entornado. Se se escrevesse que o Benfica ia contratar três extremos para jogarem no meio-campo ao lado de Matic, imagine-se a quantidade de emails que o desgraçado ia ter de ler.

O Woody é inglês e está sempre a dizer: "Vocês gostavam era de ter uma liga como o nossa." Pela nossa conversa, sim. Pelas nossas reações, não. Porque o português é incapaz de ter humor para com a própria equipa. Onde uns veem uma simples brincadeira, outros veem uma ofensa. Gostamos muito de como os ingleses lidam com tudo isto, mas, na realidade, se tornássemos o nosso futebol igual ao deles, com quem íamos embirrar?

Gostamos tanto da Premier League que a odiamos. Outro exemplo? Como gabamos os árbitros britânicos. «Isto se fosse em Inglaterra, nem amarelo era. Isto se fosse em Inglaterra, era resolvido com um aperto de mão. Isto se fosse em Inglaterra, o árbitro deixava jogar, o jogo tinha muito mais piada, aqui estão sempre a apitar.»

Gostamos tanto dos ingleses que quando um dos nossos juízes tem critério mais largo começamos logo a fazer contagem de amarelos perdoados, de não marcar as faltinhas em disputas de bola quando o nosso jogador se queixa mais que o rival. Nós não gostamos nada da Premiership. Nem da arbitragem, nem do humor, nem dos golos, como aquele enorme, tremendo encontro entre Reading e Arsenal (5-7). «Tanto golo? Defesas fracas», argumentou (puxando à realidade, no Maisfutebol) um adepto português.

Bom, quanto ao resto, gostamos tanto da Premier League que a detestamos por ter deixado sair um louco como Balotelli. Ao menos, foi para o Milan. Já bisou. E também levou o fogo de artifício para as festas de Berlusconi. Tem convites?