Na tarde de 16 de Julho de 1950, Alcides Ghiggia escreveu para sempre o nome na eternidade do futebol. Num Maracanã a romper pelas costuras, o uruguaio de bigode passou precisamente pelo brasileiro Bigode, ameaçou que ia cruzar, enganou Barbosa e rematou para o maior escândalo da história da modalidade.

A história de Barbosa, o guarda-redes condenado a perpétua

«Foi um golo que mudou a minha vida», conta ao Maisfutebol. Curiosamente ele marcou em todos os jogos que o Uruguai fez naquela caminhada para o triunfo, mas só o último é que é recordado. «Foi uma história linda. Os brasileiros não queriam crer que tinham perdido. Para o Uruguai foi o melhor jogo de sempre.»

Hoje, aos 84 anos, olha para o futebol com a altivez de quem lhe escreveu a história. Fala com uma voz personalizada, em frases curtas e quase sempre graves. Raramente sorri. «O futebol mudou muito. Há muitos interesses, é um desporto menos sincero. Mas continua a mexer muito com as pessoas e isso é que interessa.»

«Deco, Ronaldo... podem vencer o Mundial»

Do alto do pedestal, Ghiggia olha para a África do Sul com curiosidade. «A FIFA costuma convidar-me a estar presente nos Mundiais. Desta vez ainda não convidou, por isso não sei se vou seguir ao vivo ou pela televisão. Mas vou seguir o Mundial, claro. Acho que pode ser um campeonato de muitas surpresas», diz.

«Joga-se num país distinto, num continente também distinto, por isso é normal que haja surpresas. Os candidatos são Itália, Brasil, Alemanha, Espanha e Portugal. Mas têm de o provar no campo.» Portugal?, questiona-se. «Claro. Têm muito boa equipa, com Deco, Ronaldo e um treinador que conhece bem o futebol português.»

«Portugal pode ser campeão do Mundo, por que não? Mas tem de funcionar como equipa. O segredo num Mundial é ser a equipa mais forte. Vocês têm bons jogadores, têm de fazer com eles uma boa equipa. Os bons jogadores ganham jogos, mas só uma boa equipa pode ganhar uma prova como um Mundial.»

«Sigo a liga portuguesa para ver o Rodriguez»

O conhecimento que Ghiggia tem de Portugal não se esgota na selecção. «Fui jogar uma vez aí, pela selecção italiana». Sim, é verdade, o herói uruguaio também jogou por Itália. «Depois do Mundial joguei quase durante dez anos em Itália. Como tinha avós italianos, convidaram-me para representar a selecção e aceitei.»

Numa época em que era difícil jogar na Europa, Ghiggia sentiu que as portas se abriram pelo golo no Maracanã. Da equipa nacional guarda poucas recordações. «Perdemos 3-0 em Lisboa e ganhámos 3-0 em casa, não me lembro de mais nada. Era só um jogo de futebol. Mais importante do que isso foi a experiência.»

A experiência, garante, ficou gravada. «Lembro-me que Lisboa era uma cidade bonita, com pessoas amáveis. Gosto de Portugal. Hoje ainda vejo alguns jogos da liga portuguesa por causa dos uruguaios. Não tanto como de Espanha ou de Itália, mas sempre que posso tento seguir o Rodriguez. Muito bom jogador.»

A conversa acaba por onde começou, o Mundial. «É sempre especial. É o melhor que ainda existe no futebol.» Sem muita fé no Uruguai, diz que já não tem idade para torcer. «Fico só a ver o que acontece e num Mundial tudo pode acontecer.» Ghiggia sabe o que diz: no Maracanã houve 200 mil que testemunharam por ele.