Maisfutebol viu-o antes das 10 de manhã, numa estrada secundária deserta, rodeada por campo ainda longe da civilização. Voltou a encontrá-lo pouco mais à frente, 45 minutos depois, mas mais perto da Academia do Sporting, em Alcochete. Já depois da uma da tarde estava ao portão do complexo desportivo. Uma história incrível.
Manuel Ramos, 34 anos, natural de São Tomé, fez 12 quilómetros a pé debaixo do sol que «abateu» a margem sul entre o Freeport de Alcochete e a Academia do Sporting esta quinta-feira. Algo inédito se formos a perceber a distância entre os dois locais. Mas foi ao novo centro comercial que o autocarro o levou. «Saí de Odivelas às 7h30, depois apanhei o autocarro até à Gare do Oriente e de lá fui para o Freeport, nos TST [Transportes Sul do Tejo]», começou a contar.
Mas que raio de coisa leva um homem de calças brancas, camisa preta a condizer com a cor da pele, e uma quente camisola de lã ao peito, andar à beira de uma estrada sem passeio, de manhã, a pedir boleia a cada carro que passava por ali? «Certamente você foi um dos que passou por mim», disse. Maisfutebol lembra-se de ter visto alguém na berma da estrada com os braços no ar. «Ainda tentei pedir boleia, vi o Rochemback a passar no Ferrari. Ainda acenei, mas ele não parou. Também...eu sei...é verdade, ele não tinha nada que parar. Ia parar para quê?», questionou.
O bicho no olho
Antes das 10 horas Manuel Ramos estaria a seis longos quilómetros da Academia. Chegou perto das onze. Tudo feito a pé. O treino do Sporting estava a acabar. «Agora estou aqui à espera que saiam os jogadores», revelou. A razão do «passeio» começava a ser descoberta. «Venho aqui pedir ajuda a alguns jogadores. Queria ver se me podiam ajudar de alguma forma», justificou.
Em alguns minutos, este adepto do Sporting que chegou a terras portuguesas há quatro anos, contou as suas dificuldades. «Tenho quatro filhos em Portugal, mais um em São Tomé. Há dois meses tive de deixar de pintar porque tive uma infecção num olho. O médico disse que tinha de me afastar dos químicos da tinta porque podia ficar cego», explicou, lembrando que necessitaria de ser operado. «Fiquei sem trabalho, tenho renda da casa, ama e infantário em atraso de pagamento. A minha mulher que é ajudante de cozinha é a única que sustenta toda a família. Sabe como é...», lamentou.
A filha, doente mental, tinha chegado de São Tomé num voo oferecido pela Portugal Telecom. A confirmação da oferta que tinha na mão mostrou que não mentia. «Já tentei muitos trabalhos. Dizem sempre para esperar que depois dão uma resposta. Mas nada aparece», contou. Manuel Ramos tinha «um bicho ou algo» no olho esquerdo. Fez questão de mostrar ao Maisfutebol. E tinha mesmo.
A esperança no coração dos craques
A esperança para hoje era um jogador do Sporting. «Tenho alguns que vou tentar que me ajudem. O Pedro [Barbosa], o Sá Pinto, o Rochemback, ou o Douala. Ele [Douala] fala francês e eu também. Se conseguir o Liedson ou o Hugo Viana...», apontou. «Preciso de dois mil euros para pagar aquilo que devo. 500 euros já me chegavam para ser operado ao olho e voltar a trabalhar como antes», disse.
Enquanto a esperança se mantinha, já passava bem da uma, e os jogadores ainda não saíam do treino, Manuel Ramos continuava encostado à vedação do lado de fora. E o regresso...seria a pé também? «Não sei se aguento. Não provo nada desde as quatro horas da tarde de ontem. Alguém tem de me dar uma boleia. Não vou cair, preciso lutar.»
Manuel Ramos disse pelo meio da conversa que em São Tomé os adeptos são «fanáticos» pelos clubes portugueses. «Vê-se muito lá», justificava o amor ao Sporting. Mas lembrou também que é um país «muito pobre». A chegada de Ramos a Portugal dava outra história, mas desta ainda nem se sabe o fim...