1. As tristes imagens que o país acompanhou durante a última noite só encontram paralelo no que se viveu em Alcochete naquela tarde de 15 de maio de 2018.

Curiosamente, os dois episódios têm o mesmo denominador comum. Obviamente, claques.

O que me obriga a fazer a pergunta de sempre: o apoio que dão nas bancadas justifica o preço a pagar?

Tornou-se evidente, e não é de agora, que as claques são demasiado perigosas para fazermos de conta que não, que afinal são fofinhas, e apoiam a equipa, e dão cor ao espetáculo.

Não duvido que tenham no seu seio pessoas pacíficas, que gostam do convívio, mas acima delas, na cúpula, estão geralmente pessoas agressivas. São elas que contam, que decidem, que orientam. Gente violenta, que à custa da claque adquiriu uma dimensão financeira e uma relevância social de quais não aceita abdicar. Até porque depois disso sobra-lhe muito pouco.

Por isso, porque não aceitam perder esses privilégios, luta por eles com a força da única lei que conhece: a lei da ameaça, da intimidação e da agressão.

Ontem foram os sócios do FC Porto que o perceberam. Amanhã podem ser os do Benfica ou os do Sporting. Porque o que se passou no Dragão Arena não é um problema só deles: é um problema de todos nós.

É mesmo isso que queremos para o nosso futebol?

2. A direção do FC Porto demorou doze horas a reagir aos deploráveis acontecimentos de segunda-feira à noite. Doze horas para escrever um texto em que afirma que os desacatos «são condenáveis e mancham a história centenária» e que vai recorrer «aos meios que tem ao seu alcance para identificar os responsáveis».

No fundo é um comunicado cheio de lugares-comuns, para colocar água na fervura e acalmar os adeptos, que ficaram naturalmente revoltados com o que se passou.

Se os órgãos sociais estivessem mesmo envergonhados e quisessem acabar com a terrorismo que se viveu, teriam chamado a polícia, por exemplo. Teriam reforçado a segurança. Teriam interrompido de imediato a Assembleia-Geral, até ao dia em que conseguissem reunir as condições mínimas de segurança. Mas não, não foi isso que fizeram.

De braços cruzados, deixaram tudo acontecer e doze horas depois emitiram um comunicado.

O que me conduz a uma de duas conclusões: ou estão reféns do monstro que criaram ou foram coniventes com ele. Qualquer das hipóteses é muito má.

3. Há coisa de duas décadas, quando estava em início de carreira, fui fazer a cobertura de um jogo de andebol entre o FC Porto e o Sporting no pavilhão da Póvoa de Varzim. Salvo erro, eram umas meias-finais do campeonato. O Sporting festejou, no final da partida houve distúrbios e a polícia carregou sobre os adeptos do FC Porto.

O que, sim, recordo bem, foi de ver Pinto da Costa completamente transtornado, com os olhos cobertos de lágrimas, a puxar-nos pelo braço, a mim e ao outro jornalista presente no jogo, para ir ver como tinham ficado alguns adeptos vítimas da carga policial.

«Vejam, vejam, isto é intolerável», gritava.

Nesse dia fiquei verdadeiramente impressionado com a defesa, genuína e apaixonada, que Pinto da Costa fez dos seus adeptos.

Ao ver as imagens de ontem, não pude deixar de me questionar sobre o que aconteceu a esse Pinto da Costa de há vinte anos.