Escrevia no Twitter no dia 26 de Junho de 2016: “Decorem este nome: Daniel Bragança #JuvenisSCP #FormaçãoSCP”.

Quase oito anos mais tarde, o MaisFutebol ofereceu-me a oportunidade de entrevistar o próprio. Depois de já ter sido campeão nacional com Ruben Amorim por duas vezes, depois de já ter sofrido uma lesão que o afastou dos relvados durante um ano. Aos 24, Bragança continua a dispensar primeiras páginas de jornais, porque diz que é no campo que faz com que as pessoas acreditem no seu futebol. 

Conversámos sobre a regada noite no Marquês, o inevitável Viktor, a evolução das suas missões dentro de campo, a sorte de não ter acabado a carreira a lateral-esquerdo, os ajustes com Ruben Amorim e as dúvidas que teve sobre se, um dia, iria voltar a correr. Ainda houve tempo para elogiar João Neves e Vitinha. 

Maisfutebol: Lembras-te do jogo contra a Atalanta, em Itália? Entraste aos 36’, porque o Pote marcou e lesionou-se. No outro dia, estava a ouvir o Luís Neto, na Sport TV, e ele disse que esse tinha sido o jogo em que sentiu que estavas pronto para ser aposta em qualquer jogo. Gostaste dessa tua exibição, apesar do resultado? 

Daniel Bragança: Foi bastante duro para nós, enquanto grupo. Até pela forma como aconteceu. E hoje vemos que defrontámos uma grande equipa, que acabou de chegar à final da Liga Europa. Mas isso torna ainda mais difícil lidar com a eliminação, porque podíamos estar lá nós. Pronto, passando essa fase. Já me vinha a sentir bem. Antes do jogo com a Atalanta, tinha jogado a titular, em casa, contra o Farense, e as coisas já me tinham corrido bem. Estava confiante. Sentia que estava num bom momento, físico e psicológico. Esse jogo contra a Atalanta foi só mais uma prova, mas num nível de exigência diferente. Hoje, posso dizer: num nível máximo de exigência, porque a Atalanta é uma das melhores equipas da Europa. Foi uma resposta que dei. Não para mim, porque eu acreditava, mas talvez tenha sido a minha ‘mão-firme’ para o míster perceber que estava capaz de jogar esse tipo de jogos. Se calhar, também para o plantel perceber, tanto que o Neto referiu. Não sabia, ele nunca me tinha dito. Foi um jogo importante em termos de afirmação num nível superior. 

O Luís Neto referiu que ficou surpreendido por ter sido “num jogo que tinha pouco que ver com as tuas características”. A Atalanta é reconhecida pela forma agressiva como joga, como pressiona a campo inteiro. Por outro lado, recordo-me de que, na antevisão a essa partida, Ruben Amorim disse que a preparação para esse jogo incidiu muito em três coisas básicas do futebol: a recepção, o passe e a forma como se utiliza o corpo para ganhar vantagem. Podes não ter outras coisas, mas tens essas três. Se calhar, até te sentiste mais confortável contra um adversário desse perfil. 

Já tínhamos jogado contra a Atalanta e as equipas já se conheciam bem. Tanto os jogadores, individualmente, como a forma como cada uma jogava. Esse foi um ponto a favor para as duas equipas. Já conhecia a pressão da Atalanta, já sabia os movimentos, onde é que eles deixavam os espaços. Ali, se tu consegues tirar uma adversário da frente, o campo abre. Com um passe, rompes linhas. Senti-me bastante confortável no jogo e senti a equipa confortável. Lembro-me de que facilitámos quando voltámos do intervalo. O mister avisou-nos bastante de que eles iam entrar fortes, de que eles, sendo uma equipa italiana experiente, iam tentar recuperar o resultado. Foi o que fizeram. Nós entrámos adormecidos e, depois, tivemos azar num ou noutro lance. Deram-nos a bola, deram-nos o jogo e defenderam. Mesmo assim, tivemos oportunidades suficientes para, pelo menos, irmos a prolongamento. 

Enquanto futebolista, costumas dizer que não gostas de ir na onda positiva, quando as coisas te estão a correr muito bem, nem gostas de ir na onda negativa, quando as coisas não te estão a correr tão bem. Será que essa busca constante pelo equilíbrio não te trava em momentos em que te podes ‘agigantar’? 

Não, não. Desde sempre que gosto de manter o meu equilíbrio, de manter a minha linha. É claro que sofres mais um bocadinho quando as coisas correm mal. Sofres para ti, sofres em casa. Quando as coisas correm bem, guardo para mim. Claro que fico feliz. Vou para casa feliz, contente, como é normal, mas, na formação, sempre me incutiram muito que o futebol é o momento e que as coisas passam, tanto o mau, como o bom. Não gosto de meter o peito para fora, de andar com a cabeça levantada. Odeio fazer isso e odeio quem faz isso. A resposta tem de ser dada no campo. Hoje em dia, vive-se muito na base da imagem, do que parecemos ser no Instagram, nas redes sociais. Na base de meteres fotos no Instagram, de meteres vídeos a puxar por ti, lances que fizeste, o golo, a assistência que fizeste, os passes que fizeste. Isso não te vai valorizar mais enquanto jogador. É claro que podes ter sempre um Instagram bonito, publicar vídeos de finais de época, por exemplo. Agora, fazer um golo e querer ir dar entrevistas, querer falar. Não faz parte da minha essência. Não gosto de ser muito falado ou pouco falado. Gosto que falem quando têm de falar, quando há alguma coisa para dizer. Não gosto de andar todos os dias a ser falado, de capas de jornais. Nunca me atraiu. Quando era miúdo, também era tímido. Agora, já desenvolvi mais esse aspecto. Mas tinha vergonha das coisas saírem e depois as pessoas falarem: ‘Já viste? Saíste ali, saíste acolá’. Nunca gostei muito disso, sentia-me sempre envergonhado. 

Quando regressas ao Sporting, depois do teu primeiro empréstimo, vens do Farense. A época corre-te relativamente bem, apesar de o mister Rui Duarte, que foi o treinador que te quis, ter saído passados três jogos. Houve ali uma troca de treinador. Vens com 21 anos e, na altura, a pré-época foi com o mister Keizer. Apercebes-te de que não vais ficar, que vais ser emprestado novamente, mas dessa vez, ao Estoril. Se, por um lado, dizes que ficaste triste com o segundo empréstimo consecutivo, por  outro, revelas que não te sentias preparado para atacar a Liga. Por quê? 

Não me sentia preparado. Começando no Farense: eu joguei, mas, quando houve a mudança de treinador, fui para o banco. Depois, tive de lhe mostrar que tinha de jogar no Farense. Foi ao Álvaro Magalhães. Essa metade de época, no Farense, preparou-me para a época seguinte. Tornei-me mais homem, porque, aqui, estava no nosso conforto, tínhamos os nossos amigos. Lembro-me de que caí num balneário de homens, que lutavam para não descer, que tinham as suas vidas em jogo. É um choque de realidades que não tens bem noção. Estava muito distante da minha família e da Carolina [a namorada]. Eles tentaram acompanhar-me sempre que conseguiam. Na pré-época, com o Keizer, senti que não estava preparado, porque se via, no futebol. Eles eram muito mais rápidos, muito mais intensos. Ainda não dava para eu estar naquele nível, naquele patamar. Lembro-me de que, na fase final da pré-época, já nem fazia parte dos treinos, o mister Keizer já não contava comigo. A minha saída já estava a ser preparada. Ainda tentei sair para a Liga, mas, depois, apesar de não me recordar bem do motivo, não ocorreu. Aceitei o Estoril e graças a Deus que aceitei o Estoril. Foi um clube no qual tive todas as condições para desenvolver o meu futebol. 

Tinhas o mister Tiago [Fernandes], também.

Também foi ele quem me fez optar pelo Estoril. Tinha o director, o Pedro Alves, e o Vasco Varão, que, na altura, falaram comigo. Foram pessoas importantes para me sentir à vontade. Acabou por correr bem e, mais tarde, quando cheguei ao Sporting, na época de estreia do míster Amorim, já consegui ficar. Ainda estava muito ‘verdinho’, mas as coisas já foram diferentes. 

Mas vamos imaginar que, naquela pré-época, não tinhas apanhado o Keizer. Vamos imaginar que tinhas apanhado um treinador que tinha querido apostar em ti. Podia ter acontecido. 

Sim. Se calhar, se tivesse um treinador diferente do Keizer, que me tivesse dito: ‘Olha, eu quero ficar contigo. Não vais jogar muito, mas vais estar aqui. Não te prometo minutos, mas, pelo menos, ficas aqui, neste contexto. Já é bom para ti, já vais conseguir evoluir e vais-te preparando para o futuro’. Talvez as coisas pudessem ter acontecido. É que, naquela altura, na pré-época, com o mister Amorim, evoluí bastante. Foi outra intensidade, outra realidade. Mas também já estava melhor do que antes de ir para o Estoril. Só o treino, naquela altura, já era mais intenso do que um jogo de II Liga, já tinha mais qualidade. É um estímulo completamente diferente e consegues evoluir nos treinos. Muito. 

Fizeste toda a tua formação a 6, num meio-campo a três. O que é que te passou pela cabeça nas primeiras vezes em que te disseram que não queriam que jogasses a 6, mas que jogasses mais à frente.

Foi sempre 6, sim. Aliás, eu era defesa-esquerdo, nos sub-14. Jogava muito pouco ou nada. Na altura, tinha o Pedro Amador, do Moreirense, a jogar na minha posição, a defesa-esquerdo. E o míster Tiago Capaz, a meio da época, chamou-me ao banco, antes de um treino, e disse: ‘Miúdo, é assim: não te vejo futuro a lateral-esquerdo’.

Tiveste sorte (risos).

Sim, muita sorte. Sorte nas pessoas que apanhei. É verdade, é verdade. Lembro-me de que ele disse que achava que eu não tinha futuro a lateral-esquerdo e que, se continuasse ali, se calhar, para o ano, o Sporting me ia libertar. Então, perguntou-me: ‘Qual é a posição em que te vias a jogar?’. E eu: ‘Médio centro, se calhar, não sei. O míster é que sabe, mas, se calhar, ali no meio’. Nos treinos, começou a meter-me a médio centro, experimentei as posições todas. Isso também tinha que ver com os jogadores que, na altura, o Sporting tinha no plantel, aqueles que já previa para o futuro, quem eram as apostas, quem não era. Se calhar, ali, na posição 6, não tinham. Fui para ali, as coisas correram bem, acabei a época a titular e fiz os jogos todos. Pronto, depois, fiz a minha formação toda a 6. Nos sub-17, com o míster Couto, na fase final, optou por um número 6 com mais músculo. Nós jogávamos num losango e, aí, já jogava como médio interior do lado esquerdo. 

Fizeste isso na Selecção de sub-21.

Exatamente. Já começava a estar habituado a jogar a 6, a 8. Quando é que eu deixei de ser 6?

Foi no Farense, porque acho que aqui, nos sub-23, ainda foste 6.

Sim. Era um 6/8, jogávamos lado a lado. Depois, nos juniores, também jogávamos lado a lado. Num 2+1, duplo pivô. Aí já tinha mais permissão de ir e voltar, porque, na formação, o 6 era muito posicional e só tinha de organizar jogo. Nós éramos tão superiores às outras equipas que defrontávamos que não tínhamos a parte defensiva, ou seja, não conseguíamos evoluir nesse aspecto. 

Nessa altura, ainda era mais vincada, essa diferença entre ‘os grandes’ e os outros. Ganhavam 16-0, 11-0. 

Sim, na altura, ainda era muito acentuada, por isso é que os empréstimos foram muito importantes. Ah, e, na Youth League, com o míster Tiago Fernandes, também joguei em duplo pivô. Ele metia um 6 com mais músculo e metia-me com outro médio mais à frente. Jogávamos com quatro médios, porque tínhamos mais um que fazia de extremo e fechava. Foi aí que comecei a ganhar outras nuances no meu jogo. A partir do momento em que fui para Faro nunca mais joguei a 6. Foi sempre a interior direito ou esquerdo. 

Não tiveste aquela sensação de que tinhas de mudar o chip acerca de uma série de coisas que tinhas aprendido? 

Sim, claro que sim, mas surgiu naturalmente. Claro que tive de ir ganhando outras noções de posicionamento, outras formas formas de receber a bola - muitas vezes, mais de costas, entre-linhas. 

Pois, porque tu passavas o tempo todo a ver o jogo de frente.

Exato. E depois passas a ver de frente, de costas, de lado. Acabas por ser um box-to-box. À medida que vais jogando, treinado, as coisas vão começando a surgir. Quando tens qualidade, as coisas vão acontecendo naturalmente. 

Pensaste conscientemente, a dada altura da tua carreira, que te tinhas de tornar outro tipo de jogador para conseguires vingar ou, quando deste por ti, já eras um jogador diferente? 

Foi mais isso: quando dei por mim, já era um médio, já não era um número 6. Fui engolido pelo contexto, pelo que os treinadores me metiam a fazer. Tinha de dar resposta. 

Houve aí algum mérito e inteligência da tua parte para conseguires interpretar isso.

Sim, porque eu era um 6 com umas características diferentes. Normalmente, um 6 é um jogador com mais músculo que, claro, tem de ter qualidade na construção. Mas eu não era um 6 com músculo. Era um 6 só para organizar o jogo. Se calhar, tive mais facilidade em adaptar-me a outra posição por causa disso. Tive vários jogadores na formação que eram 6 puros, que funcionavam como tampão da equipa. Se os metesse a interior direito ou esquerdo não fazia muito sentido. Por acaso, na altura, o meu pai já me dizia: ‘Tens de começar a ganhar rotinas de jogares mais à frente. No futebol sénior, não te consigo ver a jogar ali tão atrás’. O meu pai já me metia essas coisas na cabeça e, depois, as coisas começaram a surgir com naturalidade. Ele é que teve razão, porque quando comecei a chegar aos níveis superiores acabei por ir jogar mais para a frente.

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ENTREVISTA A DANIEL BRAGANÇA - PARTE I

ENTREVISTA A DANIEL BRAGANÇA - PARTE III

ENTREVISTA A DANIEL BRAGANÇA - PARTE IV