Cândido de Oliveira foi jogador do Benfica, foi treinador do Sporting e do FC Porto, foi até selecionador nacional durante quinze anos.

Foi ele o capitão, por exemplo, do primeiro jogo da história da Seleção Nacional. E foi também ele quem fundou o Casa Pia Atlético Clube, histórico clube lisboeta que por estes dias volta a jogar no escalão mais alto do futebol nacional.

Criou o Sporting dos Cinco Violinos e lançou José Maria Pedroto no FC Porto.

Foi ainda fundador da Gazeta Desportiva, do Stadium e, com o amigo Ribeiro dos Reis, do jornal A Bola, que se tornou uma referência em Portugal.

Foi tudo e tanta coisa que a Federação deu o nome dele à Supertaça.

No entanto, e apesar disso, sabe-se muito pouco sobre quem foi de facto Cândido de Oliveira. Como era a personalidade dele, para lá do futebol e do jornalismo? Que tipo de homem é que era? Como viveu a vida? Onde ganhou a paixão pelo futebol?

São demasiadas dúvidas para uma personagem tão rica, o que levou Jorge Paixão da Costa a mergulhar a fundo na história. Durante sete anos, o realizador de cinema investigou, falou com historiadores, procurou conhecer os detalhes da vida de Cândido de Oliveira.

No fim desse trabalho de sete anos, chegou o resultado. Chama-se «Cândido - o espião que veio do futebol», é um filme de época e estreia nos cinemas no dia 9 de maio.

O Maisfutebol já teve oportunidade de vê-lo, a primeira impressão é que podia ter um guião (e diálogos) mais criativo, mas de forma geral gostou do resultado. O filme concentra-se num ano da vida de Cândido de Oliveira, entre 1942 e 1943, mas vai muito além disso.

No fundo é um filme que de forma muito subtil nos conta como Cândido de Oliveira veio de uma família pobre, como ficou órfão muito cedo e como cresceu na Casa Pia. Foi nesta instituição, aliás, que conheceu o futebol (e se apaixonou por ele). Não teve grandes posses, não teve muitos relacionamentos, não casou nem teve filhos.

Apesar disso, toda a ação se passa naquele intervalo curto de tempo, entre 1941 e 1942, durante o qual Cândido de Oliveira foi selecionador nacional, foi inspetor dos correios, foi jornalista e foi, sobretudo, espião ao serviço dos aliados.

O mundo vivia a força da II Guerra Mundial e é nesse contexto que Cândido de Oliveira, como inspetor dos CTT, se torna espião, ajudando os aliados a preparar uma possível invasão da Alemanha nazi a Portugal, com vista a conquistar a Base das Lages, nos Açores.

Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis

A verdade é que, descrito frequentemente como jogador, treinador, árbitro e jornalista, a faceta de espião de Cândido de Oliveira fica muitas vezes ausente dos textos.

Ora foi isso, precisamente, que atraiu Jorge Paixão da Costa, que concentrou o filme nesse período, com visitas ao passado para contextualizar a história da própria personagem.

Uma história riquíssima, de um homem que fez tudo e viveu tudo, até morrer na Suécia, durante o Mundial de 1958: fazia a cobertura da competição para o jornal A Bola e foi apanhado por uma pneumonia. Até na morte Cândido de Oliveira foi especial.

Para a eternidade ficou a história de um humanista, que aprendeu a gostar de pessoas e a ser generoso na Casa Pia, que tinha vertigem pelo risco, que se opunha à ditadura e que lutava pela liberdade: encorajo por exemplo três jogadores do Belenenses a não fazer a saudação fascista antes de um jogo da Seleção Nacional nas Salésias, quando era selecionador.

Que foi preso pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado - a temida PVDE -, que foi torturado ao ponto de perder os dentes e apresentar sinais de loucura, que entregou em sofrimento os colegas da rede de espionagem e que esteve detido ano e meio no Tarrafal.

Um homem, enfim, com o coração do lado certo do peito e várias falhas indisfarcáveis.

É isso que o filme retrata, sem cair no erro comum a estes filmes de colocar o herói num pedestal: Jorge Paixão da Costa garante aliás que quis normalizar o mais possível a personagem, conferindo-lhe até uma tendência para ataques de pânico em certas situações.

Tomás Alves interpreta o papel de Cândido de Oliveira, Jorge Corrula é o bom vivant Ribeiro dos Reis, Teresa Tavares é a sedutora Laura Prata e Carloto Cotta é o agente Gaspar.

O elenco conta ainda com nomes como Lourenço Ortigão no papel de Peyroteo, Tiago Aldeia no papel de António Roquete (um ex-casapiano transformado em agenda da PVDE), mais Mariana Monteiro, Filipe Vargas, João Didelet e muitos outros.

No fim fica um bom filme de época, uma obra que faz justiça a um dos maiores heróis do desporto nacional.

O realizador do filme Cândido

Cinco perguntas ao realizador Jorge Paixão da Costa

Como é que lhe surgiu a ideia de fazer este este filme sobre Cândido de Oliveira?

Eu fiz uma série de televisão sobre várias personagens da história de Portugal, de várias épocas, que se chamava «À porta da história». São personagens de quem nós ouvimos falar frequentemente, mas que na realidade não sabemos quem são: o Robert Ivens, o Padre Himalaia, a Duquesa de Palmela, o Bulhão Pato... e o Cândido de Oliveira foi um desses personagens. Eu tinha a ideia de que o Cândido de Oliveira não foi um grande jogador, como um Eusébio, um Futre ou um Peyroteo, e então pensei: mas porque é que este homem dá o nome à Supertaça? Comecei a investigar e dei-me conta de que é um personagem riquíssimo. Mais do que um personagem, era uma personalidade. Tinha vivido 60 anos, mas tinha vivido seis vidas. E pronto, com este filme de ficção tentei retratar algumas dessas vidas. Não todas, mas algumas, sim.

Mas concentrou-se apenas num ano: aquele ano em que ele foi espião dos aliados. Porquê?

Espião, selecionador nacional, chefe dos telegrafistas dos correios e jornalista, embora ainda não fundador de A Bola. Foi a fase em que era dono da revista Stadium, que tinha sido também fundada por ele. Porquê aquele ano? Porque foi ano que mais me apaixonou. Na história toda, foi o ano que teve mais conteúdo, mais matéria-prima para se fazer um filme de ficção. Porque, no fundo, eu romantizei um bocadinho, e para isso tinha de ter matéria-prima. Ao mesmo tempo, achei curioso que a maior parte das pessoas, e até mesmo as pessoas do futebol, não soubessem que ele foi um espião ao serviço dos aliados.

As opiniões dos historiadores para as razões que levaram Cândido de Oliveira a juntar-se aos aliados divergem: uns falam em razões financeiras, outros em razões patrióticas. De que lado fica?

Eu fico do lado de Portugal. Acho que foram razões patrióticas. Quer dizer, o Cândido era um humanista, nem era bem patriótico, e acho que se juntou aos aliados porque para ele fazia sentido estar do lado do bem, e os aliados estavam mais do lado do bem do que os alemães. Mas claro que o dinheiro também lhe dava jeito. Acho que é isso que se vê no filme. Eu apresento o homem mais humano que existe, não temos ali nenhum herói, não temos o cliché habitual deste tipo de filmes. Temos um homem humanista, que parece um tipo despreocupado, que não tem nada a ver com aquilo e que não tem consciência do que está a fazer. Ou tinha consciência, mas não queria que as pessoas percebessem que a tinha.

Ele é tão anti-herói que até tem ataques de pânico.

Exato. Essa parte foi ficcionada e é uma das melhores cenas que tenho no filme.

Qual foi a maior dificuldade para fazer o filme?

As maiores dificuldades para fazer um filme de época são sempre as mesmas: não há dinheiro para intervir cenograficamente. Ou seja, os locais estão muito modernizados e o ambiente cenográfico exige um trabalho de efeitos especiais, através do blue screen e tal, que hoje em dia é extremamente caro. Dou-lhe um exemplo: há fachadas históricas que têm calhas, fios e tudo o resto, que não havia na época, e é preciso limpar isso tudo da imagem. O que é muito caro. É o maior desafio disto tudo, mas a falta de dinheiro é para nós, portugueses, é para os americanos, para o grande cinema europeu, é para todos, à dimensão de cada um.