Quando se pensa no Benfica, a pergunta é esta: há ali algum problema?

Se pensar que não, argumento assim: o clube parece estar equilibrado do ponto de vista financeiro. A massa associativa está lá. Existe comunicação entre quem vai ao estádio e quem joga, quem dirige, quem treina. O clube é um daqueles por onde passam jogadores que depois são vendidos por bom dinheiro. Faz parte desse circuito, negoceia com os maiores e isso tem permitido manter um certo tipo de gestão. Tem uma televisão e deseja fazer algo único, passar a transmitir os jogos em casa, testar um novo modelo de negócio. Esta época lutou pelo campeonato até à última jornada, chegou à final da Liga Europa, o que não sucedia há mais de duas décadas, e estará no Jamor. Nas últimas quatro temporadas nunca fez má figura na UEFA, pelo contrário. O treinador ficou sem jogadores fundamentais, mas conseguiu encontrar soluções. Sabe valorizá-los. Joga bem.

Se pensar que sim, argumento assim: o modelo económico dos últimos anos está em risco, é preciso um novo. Fazer negócios é bom, mas um clube de futebol tem como objetivo ganhar títulos. A equipa lutou até ao fim por dois, mas perdeu ambos. E lutar até ao fim não devia chegar quando se trata do Benfica. O equilíbrio financeiro é um meio, não um fim. Um clube nunca será uma empresa. O treinador só ganhou um campeonato em quatro. E mesmo assim isso coincidiu com um castigo pesado ao melhor jogador da Liga. Permitiu que a equipa entrasse em festa na segunda época. Desperdiçou vantagens relevantes nas últimas temporadas, sem explicação plausível. Perde e depois de perder só é capaz de desejar que na próxima época seja pelo menos assim. «Tomara...», diz. Adaptou jogadores, foi buscar alguns à equipa B, continua sem descobrir um lateral esquerdo que lhe agrade. Manteve Carlos Martins e Aimar, ninguém percebeu para quê. Não se reforçou em janeiro. Deixou cair André Gomes.

Em dois mil carateres resumi o que tem sido escrito para sustentar as duas posições possíveis: sai Jesus, fica Jesus.

O presidente contribuiu para centrar o debate nestes termos. Para Luís Filipe Vieira não existem dúvidas: é Jesus. Não percebemos se é Jesus por uma questão de fé, por medo de o ver partir para outro clube, por achar que tem ali o melhor treinador disponível ou simplesmente por acreditar que será com Jesus que um dia o Benfica regressará aos gloriosos tempos dos três campeonatos ganhos e um perdido. Algo que, lembremos, não sucede há valentes 40 anos. O presidente ainda não explicou qual o raciocínio que o leva a defender o treinador que tem, disse apenas que era o seu. Um argumento que os benfiquistas parecem disponíveis para acolher.

Percebo o discurso dos que recordam de onde o Benfica veio, mas não creio que seja justo. O período mais difícil foi aquele entre 1993/94 e 2004/05. Sem muitos jogadores e com poucos meios, os «encarnados» foram campeões com Trapattoni. É certo que não me pareceu ver ali o princípio de qualquer coisa muito sólida. Mas se por acaso existia, Luís Filipe Vieira encarregou-se de a deitar fora na mesma água que levou José Veiga.

Houve um tempo em que Luís Filipe Vieira falava muito. Batia-se com Pinto da Costa, contratava treinadores, despedia treinadores. Foi o tempo de Koeman, Quique, Camacho, Fernando Santos, duas vezes Camacho. Nada disso bastava, só Veiga e Trapattoni funcionaram.

Esse foi o tempo de Veira, o apressado. Este parece ser o tempo de Vieira, o paciente. Este parece ser o tempo, aliás, em que no Benfica já não faz grande diferença entre ganhar ou perder, desde que seja com honra. Ou azar. Ou culpa do árbitro. Todos parecem satisfeitos por ir no comboio até à última paragem. Talvez o Benfica seja hoje de facto diferente e isso chegue. Entretanto, o F.C. Porto aproxima-se, mais um ano. Nesta altura está 32-27, em campeonatos. Como estará em 2020? Perguntado de outra forma: alguém ainda se interessa?