Uma lufada de ar fresco. Quatro anos depois da consagração de uma Grécia sombria e avarente, a vitória da Espanha no encerramento de um excelente Euro-2008 é uma boa notícia para os apreciadores do bom futebol. O golo de Torres no triunfo sobre a Alemanha (1-0) deu legitimidade histórica a uma equipa com uma identidade própria, um conceito de jogo claro e muita personalidade. É a obra-prima de um treinador, Luis Aragonés, que quase com 70 anos sobe o último degrau, levando até ao fim as suas convicções e a sua teimosia. É, também, a consagração de um grupo de jogadores que tem como plataforma de base um notável trabalho nas selecções jovens, algo de que o futebol português também se podia orgulhar até há poucos anos.

2008 marca o ano em que a Espanha conseguiu colocar entre parêntesis as rivalidades históricas, as guerras permanentes entre Madrid e Barcelona, e unir-se em torno de um projecto comum, assente na qualidade técnica e na posse de bola. Diante de uma Alemanha fiel às suas características (mais forte, mais rápida, mais dura) a final do Ernste Happel permitiu confirmar que o cérebro é o ingrediente mais importante para se jogar futebol. A Espanha foi a equipa mais equilibrada ao longo do Euro, e nesta final provou ser também a mais inteligente.

O início trouxe uma Alemanha determinada, perante um adversário que, talvez surpreendido, talvez acusando a pressão do momento, permitiu ao seu adversário ter bola e agressividade em permanência nos primeiros 15 minutos. Só com Torres na frente, a Espanha apostava tudo no futebol tricotado e paciente de Xavi, Iniesta e Fabregas para destapar a panela de pressão e encontrar a saída para o sufoco inicial.

Com Senna a acertar na marcação a Ballack e Sergio Ramos a recuperar de um início desastroso para, com a ajuda de Silva, travar enfim a dupla Lahm-Podolski, a Espanha acordou a tempo. Iniesta, muito activo na esquerda, foi o primeiro a tocar o sino, logo seguido pelo talento inteligente e prático de Xavi. A dupla do Barcelona tinha um aliado de peso na supermotivação de Fernando Torres, que desde os primeiros minutos colocou em respeito a dupla Mertesacker e Metzelder, não desistindo de um único lance.

Já depois de uma cabeça ao poste, após cruzamento de Sergio Ramos, «El Niño» chamou a si a glória, depois de mais um passe sublime de Xavi e de um duelo ganho a Lahm nos limites da legalidade. Aos 33 minutos, a vantagem da Espanha já era amplamente merecida. A Alemanha tinha sumido de campo, a partir do momento em que a agressividade nos duelos já não lhe permitia estancar aquele futebol fluido de toque e movimento.

A segunda parte trouxe mais do mesmo durante 15 minutos. A Espanha a chamar a sai a bola e as coordenadas do jogo, sempre ao ritmo esclarecido de Xavi, ora paciente ora rapidíssimo a criar passes de ruptura. Joachim Löw tinha de fazer algo para fazer com que a Alemanha voltasse ao jogo, e a entrada de Kuranyi, com o regresso ao 4x4x2, cumpriu esse objectivo. A Espanha tinha de jogar em 3x3 na sua zona defensiva, e os cruzamentos a partir dos flancos tornavam-se ameaçadores.

Mas Aragonés respondeu bem, tirando o apagado Fabregas (o único elemento do meio-campo que não encontrou o seu espaço no jogo) e colocando Xabi Alonso numa posição mais recuada, em auxílio de Marcos Senna. As entradas de Cazorla e Güiza deram frescura a uma equipa que voltava a conseguir respirar, tendo a bola. E os minutos finais foram de consagração para Xavi e companhia, sempre capazes de encontrar a linha de passe correcta, sempre hamoniosos na saída colectiva. A Alemanha acabava o jogo com quatro homens na frente, sem ser capaz de levar a bola até eles. E Sergio Ramos e Marcos Senna ainda estiveram perto de conseguir um segundo golo que, a bem da verdade, não teria ficado mal ao novo campeão da Europa.