“Não é normal que metade dos pilotos precisem pagar para correr. A F1 é o topo do automobilismo.”
Jean Todt, presidente da FIA

“A F1 precisa continuar a atrair os pilotos talentosos e não esses miúdos cujos países sediam uma corrida ou tenham algum governo a ajudar ou grandes empresas comerciais por trás dispostas a gastar cinco, oito, dez milhões de dólares, seja lá quanto for...”
Mark Webber, piloto da Red Bull

"Existe um risco para nós se os pilotos que estão prestes a ser dobrados forem imprevisíveis. Há alguns no pelotão que sabemos que são obstáculos móveis"
Sebastian Vettel, piloto da Red Bull

António Félix da Costa foi preterido pela Red Bull na hora de escolher um novo piloto para a sua equipa satélite na Fórmula 1, a Toro Rosso. A vaga estava aberta desde a promoção de Daniel Ricciardo à equipa principal e o português era o grande favorito a ficar com ela.

Mas a Red Bull optou por Daniil Kvyat, um jovem russo de 19 anos, também ele integrado na Junior Team da equipa (um programa que visa preparar jovens pilotos para a Fórmula 1), mas numa fase bem mais atrasada do que Félix da Costa.

Kvyat participa este ano na GP3 Series, uma espécie de terceiro escalão dos campeonatos de Fórmulas. Félix da Costa competiu lá no ano passado, vencendo três corridas. Kvyat venceu duas este ano. A essas vitórias em 2012, o português juntou ainda mais quatro na Fórmula Renault (FR) 3.5, antecâmara da Fórmula 1, e o triunfo no mítico Grande Prémio de Macau de Fórmula 3 onde venceram nomes como Ayrton Senna e Michael Schumacher.

Este ano, sublinhe-se, a temporada não foi tão positiva. Ainda assim, ganhou três corridas na FR 3.5 e foi mais três vezes ao pódio, acabando o campeonato em terceiro lugar.

O curriculo, portanto, é bem mais recheado que o de Kvyat. E a experiência também. Félix da Costa esteve em três testes de Fórmula 1 para jovens, dois pela Red Bull e um pela Force India. A experiência do novo piloto da Toro Rosso com um monolugar de 700cv limita-se a 14 voltas (e uma saída de pista) este ano em Silverstone, onde fez o pior tempo entre todos os que pilotaram aquele carro.



O que levou, então, a que a Red Bull optasse por Daniil Kvyat na hora de eleger o segundo piloto da Toro Rosso para 2014?

O discurso oficial fala no «talento e margem de progressão» de um piloto «já bastante maduro» e que deu «importantes informações» nos testes de Silverstone. Exatamente, naquelas catorze voltas...

Naturalmente que a outra versão estará mais próxima da verdade: pesou o fator do dinheiro. A imprensa internacional especializada fala em 15 milhões de euros oriundos da Rússia para que a Toro Rosso apostasse em Kvyat.

Além disso, a Rússia terá, em 2014, um Grande Prémio, em Sochi, e é um gigante mercado para a Fórmula 1 (e a Red Bull) explorar. Aliás, para além de Kvyat, o ainda mais jovem Sergei Sirotkin, de apenas 18 anos, corre contra o tempo para obter a superlicença necessária para pilotar na Fórmula 1. Já tem contrato com a Sauber. Porque é excecionalmente bom? Não. Porque um conjunto de empresas russas salvou a equipa da falência.

Pilotos-pagantes: facilitismo ou necessidade?

Ninguém fala abertamente sobre o tema, mas na Fórmula 1 atual apenas três equipas não escolheram os pilotos em virtude dos patrocínios que estes conseguirem: Red Bull, Ferrari e Mercedes. A Toro Rosso era a exceção nas equipas médias, agora desfeita.

Pedro Lamy, o primeiro português a pontuar na Fórmula 1, admite que esta é uma situação que não é nova. «A questão do dinheiro sempre funcionou assim. Já no meu tempo os pilotos tinham de assegurar algum dinheiro para ajudar a equipa porque o automobilismo é um desporto muito caro», explica, em declarações ao Maisfutebol.

Ainda assim, vê diferenças: «Para entrar na Fórmula 1 é sempre importante e sempre houve essa necessidade. Os lugares sempre foram pagos. Agora, os valores é que não tinham nada a ver com o que se fala hoje em dia...»

Veja-se alguns exemplos. Carlos Slim, o homem mais rico do mundo segundo a revista Forbes, patrocina os mexicanos Sergio Pérez (McLaren) e Esteban Gutierrez (Sauber).

Este último chegou este ano ao «Grande Circo» ultrapassando o promissor holandês Robin Frijns, campeão em 2012 na FR 3.5. Em 15 corridas pontuou apenas numa. Com o mesmo carro, Nico Hulkenberg somou pontos em oito corridas.

Romain Grosjean, da Lotus, é apoiado pela petrolífera Total. Pastor Maldonado, da Williams, tem o apoio da empresa estatal de petróleo da Venezuela. Ambos conseguiram bons resultados na Fórmula 1, mas também tiveram erros incríveis provocando acidentes de forma recorrente. Teriam as equipas tanta paciência se não fossem os cheques chorudos?

Mas há mais. A Marussia, uma das equipas do fundo da tabela, despediu o alemão Timo Glock no início da época e explicou, no final, que com isso tinha poupado cem postos de trabalho. Entraram Max Chilton, filho de um multi-milionário inglês, e Jules Bianchi, francês da escola da Ferrari, a marca que fornecerá motores à equipa a partir da próxima época.

Os interesses são, portanto, diversos.

O caso de Filipe Albuquerque

António Félix da Costa não é o primeiro português da Red Bull Junior Team a ser descartado na hora de eleger um piloto para a Fórmula 1.

Na antecâmara da temporada de 2008, Filipe Albuquerque acalentava essa esperança, mas a Toro Rosso escolheu o francês Sebastien Bourdais para acompanhar Sebastian Vettel. O patrocínio foi mais vistoso.

«A Red Bull traça determinados objetivos para levar um piloto à Fórmula 1. Eu atingi-os todos. Fui, aliás, o melhor rookie na FR 3.5 em 2007. Mas depois apresentaram-me uma proposta para ir correr para o Japão que não salvaguardava um futuro ingresso na Fórmula 1. Rejeitei e vim-me embora», explica o piloto, atualmente no DTM, ao nosso jornal.

Albuquerque diz que, na verdade, a Red Bull lhe colocou a possibilidade de competir na Fórmula 1. «Foi-me colocado aquele que seria, no entender deles, um projeto viável para eu conseguir cumprir. Mas não dava e não quis ir para o Japão», insiste.

Investir na Junior Team não sai barato à Red Bull. Filipe Albuquerque dá números: «No meu caso foram quatro milhões de euros. No António, que está lá há um ano, já deve ter sido, pelo menos, um milhão e meio. Portanto eles não têm interesse em desperdiçar dinheiro, também.»

«Mas, claro, a equipa precisa evoluir o carro e na hora de escolher tem de pensar nisso. Deveríamos voltar aos tempos antigos, quando as empresas patrocinavam as equipas e estas só se preocupavam em escolher os melhores pilotos para ganhar», encerra Albuquerque.

Vem alguém atrás?

Pedro Lamy assumiu ter ficado surpreendido com a escolha da Toro Rosso. «Esperava que isto não acontecesse na Red Bull. Pelos vistos o dinheiro e a dimensão do país continuam a ser mais importantes que o resto», lamenta.

Defende que Félix da Costa era o piloto melhor preparado para o lugar. «Não só dentro dos quadros da Red Bull, mas até mesmo a nível mundial», sublinha. Filipe Albuquerque lembra que até estava «uma Fórmula acima» de Kvyat. «Há muita coisa ainda por explicar nesta decisão por parte da equipa», acrescenta.

E agora? Estará comprometida de vez a possibilidade de haver um piloto português na Fórmula 1?

Albuquerque recorda que ele e Álvaro Parente já tinham ficado mesmo à porta. O «golpe duro» em Félix da Costa pode ser a machadada decisiva. «Há um fosso muito grande a seguir. Não há ninguém a competir com possibilidades de lá chegar. Mas não há dúvida que temos talento. Já são três pilotos seguidos que ficam no quase», lamenta.

Lamy deixa, por fim, uma ideia importante: «Mesmo que um piloto português venha a entrar na Fórmula 1 estará sempre em teste. Mesmo que tenha ótimos resultados, se houver outros que tenham resultados próximos, para o português será sempre uma ameaça.»